Ouvi a voz de Jesus...
Ontem, quinta-feira, a minha alma bateu-se e
debateu-se no solo duro do Horto. Enquanto que o corpo sofria as dores
horríveis, ela transportou-se para lá. Não era mais que uma bola formada e
esmigalhada pela violência do martírio. Tinha nojo de me ver, tinha nojo de ver
o mundo. Sem entrar no Calvário, todo o sofrimento dele me feria e fazia
agonizar. Nesta manhã fui desencarcerada. Segui para os tribunais: recebi os
açoites, a sentença de morte e a cruz. Tive muitas quedas; fui arrastada. E a
alma no percurso da viagem quase não deixou de bradar. Bradava ao Céu, bradava
ao Eterno Pai, bradava na dor mais pungente. O coração amava, ansiava chegar ao
fim; o corpo cobria-se de suores, os olhos choravam lágrimas de sangue. No alto
do Calvário senti no meu corpo a renovação da crucifixão. Puxaram-me tanto os braços,
parece que todos os ossos se me desconjuntaram. No cimo da cruz não fiz outra
coisa a não ser oferecer ao Calvário, oferecer ao mundo o meu coração aberto
para a todos receber. Meu Deus, que ânsias infindas! Amava e perdoava.
Agonizei: separei-me de Jesus, separei-me da dor. Pouco depois, Jesus voltou,
renovou-me a minha alma. Do seu divino Coração saía uma forte chama que veio
penetrar no meu. Esta chama durou até ao fim do colóquio com Jesus. Iluminou-me
a alma e todo o ser. Ouvi a voz de Jesus a dizer-me:
— “Minha filha, minha filha, escuta o meu
brado dorido, escuta o meu queixume de grande dor. Estou cansado de esperar a
reconciliação do mundo, estou cansado de sustentar o braço de meu Eterno pai. Ó
minha filha, minha filha, que tristes dias, que dias pavorosos esperam a pobre
humanidade. Oh! se não fosse este Calvário, se não fossem as lágrimas vítimas,
Eu não teria esperado tanto. O meu eterno Pai não cederia aos meus pedidos.
Minha filha, minha querida filha, vive sempre unida à minha bendita Mãe, é ela
com este Calvário que afasta a justiça, que atrai a misericórdia”.
— Ó meu Jesus, meu Jesus, posso ouvir
todos os Vossos queixumes, posso sentir toda a Vossa dor, mas não deixarei
nunca, nunca, meu Jesus, de confiar em Vós. Confio no Vosso perdão, confio na Vossa
misericórdia. Espero, Jesus, espero que à medida que Vós fordes esperando e
perdoando, o mundo se converterá e virá para Vós.
— “É grande a tua confiança, é grande
muito grande o teu amor, é poderosa, muito poderosa a tua dor. Pede, pede,
minha filha não cesses de pedir. Pede a todos quantos de ti se aproximam.
Lembra-te de que foi a missão das almas, a missão mais sublime que eu te
confiei. Pede, pede, não cesses de pedir para que se convertam, para que se
emendem, para que venham ao meu Divino Coração. Pede, pede, filha querida, que
o teu Jesus também pede. Pede pelos teus lábios, ama pelo teu coração e dá-se
por ti inteiramente às almas”.
— Ó meu Jesus, fazei que eu Vos sirva com
perfeição, fazei que eu desempenhe a minha missão da forma que Vos agrade e
convenha. No meu sentir, nada faço por Vós, nada sofro por Vós, não me movo por
Vós. Que pena, que pena, meu Jesus. As ânsias que tenho são grandes, mas não
são minhas. O amor com que Vos desejo amar chega até Vós, mas não é meu. Que
pobreza, que pobreza!
— “Confia, confia, minha filha. Por quem
sofres tu, senão por Mim? Quem é que tu amas, a não ser o meu Divino Coração e
as almas? O outro amor que tu dedicas fica aquém, muito aquém do amor com que
me amas. Estás desprendida do que é da terra, vives a vida divina, vives a vida
do Céu”.
— Acredito, Jesus, porque sois Vós que o
dizeis. Ah! Pudesse eu acreditar sempre. Mas fora deste colóquio, desta união
convosco, tudo, tudo desaparece, só o abandono me resta.
— “Estás na fase mais dolorosa da tua
vida. Estás na fase mais difícil dos meus santos. O teu martírio excede acima
de todos os martírios deles. Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Os nossos
corações uniram-se. Passou nova vida para o teu coração. Passou nova efusão de
amor. Vai dá-lo aos que te rodeiam, vai dá-lo a todos os que se aproximam de
ti. Vai, e faz que se espalhe no mundo inteiro”.
— Ó Jesus, muito obrigada. O meu coração
está outro, aquela chama de fogo que saiu do Vosso deu-me uma nova vida.
Obrigada, obrigada, meu Jesus.
(Sentimentos da alma; 6 de Abril de 1951)
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