sábado, abril 08, 2017

PERÍODO MAIS DOLOROSO DA MINHA VIDA DE TRABALHO

Um patrão insuportável !

– Dos doze aos catorze anos vivi com regular saúde. Minha mãe pôs-me a servir em casa de um vizinho, mas, ao ajustar-me, tirou certas condições, como: confessar-me todos os meses, passar as tardes dos domingos em casa, para ir à igreja e estar sob o domínio dela, não andar de noite, etc. A combinação foi de cinco anos, mas não estive até ao fim. O patrão era um perfeito carrasco; chamava-me nomes, obrigava-me a trabalhar mais do que as forças que tinha. Tinha mau génio e pouca paciência – até os animais o conheciam, porque batia-lhes e assustava-os, sendo quase impossível chamar o gado, quando ele ia junto do gado. Envergonhava-me sem causa, fosse diante de quem fosse, e eu sentia-me humilhada. Apesar de estar no princípio da minha mocidade, não sentia alegria com aquele triste viver. Um dia fui à azenha levar a fornada, mas era já noitinha quando lá cheguei e, portanto, muito tarde quando regressei a casa, pois gastava no caminho uma hora. Depois que cheguei a casa, ralhou-me muito, insultou-me e até me chamou ladra. O pai dele, homem velhinho, revoltou-se contra ele, defendeu-me, dizendo que eu não tinha tido tempo para mais. Todos os dias vinha ficar à casa, e naquele dia, como estava melindrada – porque a minha consciência não me acusava a mais pequena falta – queixei-me a minha mãe que, depois de se informar do caso, não me deixou voltar, apesar de pedir muito para que continuasse a trabalhar lá. Minha mãe, vendo que ele não cumpria o contracto, tirou-me de servir.
Uma vez estive das dez horas da noite às quatro da manhã na Póvoa de Varzim a tomar conta de quatro juntas de bois, porque o patrão e um seu amigo ausentaram-se de mim; e eu, cheia de medo, lá passei aquelas horas tristíssimas da noite. Enquanto vigiava o gado, ia contemplando as estrelas que brilhavam muito e serviam de minhas companheiras.
Foi aos doze anos que me deram o cargo de catequista e cantora; trabalhava com muito gosto, tanto num cargo como noutro, mas pelo canto posso dizer que tinha uma paixão louca.
Quando comungava e me encontrava no meio das minhas companheiras a dar graças, sentia uma humilhação tão grande que julgava a mais indigna de receber Jesus-Hóstia!... (Autobiografia)

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