SOFRI SEM UM MOMENTO DE REVOLTA
Continuo no meu estado grave e por não poder
falar direi só umas palavras, como sinal da minha obediência. Meu Deus, meu
Deus, que obediência tão custosa! Sinto a dor, vivo a dor; falar dela não sei,
sou a maior ignorante. O que sofre o meu corpo e a minha alma nunca na terra o
farei compreender. Eu só queria saber falar dela para honra e glória de Nosso
Senhor e bem das almas. Na minha tremenda inutilidade, trevas densas,
pavorosas, eu vejo os meus caminhos andados, mas todos selados de sangue; corre
por eles como regatozinhos. É este sangue que brilha, é este sangue que me
mostra a terra que trilhei, os espinhos que calquei. Dor e sangue foi e é a
minha vida, mas a inutilidade nada me deixou para o meu Jesus nem para as almas
a quem tanto amo, por amor d’Ele.
Sou pobríssima, sou nada. Sofri tanto, tanto
como que saiu no jornal A Voz do Pastor! Tormento nunca dito, só sofrido
se saberá compreender.
— Ai, meu Deus, se eu sofresse sozinha,
se não sofressem os que estão à minha volta! Quanto Vos devo, meu Jesus. Não me
faltastes com o Vosso amparo. Sofri sem um momento de revolta, com os olhos em
Vós, sem má vontade contra ninguém. Obrigada, Jesus, obrigada, Jesus. O que eu
não queria é que fôsseis Vós ofendido e que não houvesse tanto escândalo. Sou
velhinha, mais velhinha que a terra, à terra me uni; o meu rosto nela poisou,
tal foi o peso que a isso me obrigou.
O coração sente e vê o meu túmulo, não sai do
pé dele, enquanto todo o outro ser em suor banhado segue a sua canseira num
abismo tal sob o peso de milhões e milhões de mundos. Quando está nesta
profundidade, parece que não pode voltar à superfície da terra. Com a perda de
Jesus e da Mãezinha, do Calvário e do Horto, perdi tudo para jamais voltar a
possuir.
Que dor, que dor infinita! A passagem pelo horto
e pela montanha é como que por terra estranha, terra morta, sem luz, sem amor.
Parece que, ainda que quisesse recordar o que tudo isto foi, não podia. Sem mal
poder mover os lábios, falando mais com o coração, chamei por Jesus e pela
Mãezinha: necessitava do Seu conforto.
Eram já três horas e alguns minutos sem que
Ele viesse. Num dado momento, surgiu-me de repente. Com um foco de luz
iluminou-me, tomou-me toda inteiramente e meteu-me no seu Divino Coração.
— Vem, minha filha, descansar na morada
do meu Divino coração; aqui estás e dele vives. Vive do sacrário, vive da cruz,
nela bem cingida, nela bem crucificada. Comunica a vida do Calvário, a vida do
sacrário e a deste Coração Divino. Vives para os teus Amores, falas dos teus
Amores. Coragem, recebe aqui conforto, recebe aqui fortaleza para tantas forças
que a dor consome.
(Sentimentos da alma: 26 de Fevereiro de 1954)
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