COMUNHÃO SOBRENATURAL
Sexta-feira santa, foi bem sexta-feira santa!
Ah! Se eu soubesse sofrer! Se eu soubesse aproveitar-me de tudo para desagravar
o meu Jesus! Pobre de mim! Sou pobre e a todos dou pobreza! Sou miserável e
toda a miséria da humanidade a mim pertence e assim vou vivendo a minha
eternidade e inutilidade! Eternidade, eternidade! Que grande pavor! Viver-te
sempre roubada pela inutilidade! Cresce-me a revolta e o ódio contra Deus. Tenho
de odiá-Lo para sempre. Nada quero ter para Lhe oferecer por toda a eternidade.
Oh! Que tormento perder a Deus! Perder a Mãezinha! Ai de mim, nunca mais os
verei! Tive uma semana de espinhos penetrantes. Tormento indizível! Quanto mais
agudos, quanto mais esses espinhos me ferem, mais eu os oferecia ao Senhor,
apesar de sentir que nada era meu, que sempre estava roubada.
Passei o aniversário de 29 anos de cama. Não
sei dizer as tristes recordações que me trouxe esta data, apesar de com os
olhos no Céu tudo aceitar alegremente e só querer a vontade de Jesus. De novo
voltei a ter a Santa Missa no quarto. Recorri à Mãezinha para Ela assistir por
mim, já que cheguei a este ponto de nada saber. Pedi-lhe os Seus sentimentos
junto da cruz. Ela veio colocar Jesus morto no meu coração e fez-me sentir a
Sua agonia e chorar as Suas lágrimas. Pelo sacerdote fui encorajada a levar com
mais amor a minha cruz num completo abandono. Horas depois, a notícia do sr.
Bispo de Aveiro chegou até mim. Meu Deus, quanto sofri!... Se o meu nome não
fosse lembrado, nem para bem nem para mal! Se eu ficasse esquecida para o mundo
e dele pudesse desaparecer!... Jesus, sou a Vossa vítima. Creio, creio em vós!
Na minha velhice eterna e ofício de cavador, fui vivendo os dias, as horas, abandonando-me
louca para os braços de Jesus pela Mãezinha, sem o mínimo sentimento de que por
Eles era aceite. Esta noite passeia-a mal, nos maiores sofrimentos do corpo.
Não pude dormir. Pude acompanhar Jesus da prisão aos tribunais. Como a minha
alma agonizava!... Esta manhã voltei a acompanhá-Lo, mas brava: pedia a Sua
condenação. Fui eu que Lhe dei a morte. Na mesma manhã, uma visita recomendada
veio aumentar o meu calvário, veio rasgar-me o coração, tocando-me num ponto
que é o maior tormento da minha vida. Chorei muitas lágrimas, mesmo muitas, mas
todas tinham um fim: de ir para Jesus.
Meu Deus, só vós conheceis como foi grande a
minha dor. No íntimo do meu coração bradava constantemente: basta, basta, e com
os lábios dizia: Jesus, não basta. Tudo o que Vós quiserdes, ó Amor, ó Amor, ó
Amor, tudo o que Vós quiserdes; sou a Vossa vítima. Meu Deus, como pode ser, se
o que vale é o que vem do íntimo, de dentro do coração para fora e não aquilo
que dizem os lábios que vai de fora para dentro!? Eu não queria que o coração
falasse assim, bradasse desta maneira. Eu queria que ele dissesse o que diziam
os lábios, porque era a minha ansiedade, é só o que eu quero. Não tenho outro
querer a não ser o de Jesus. Não era eu que assim falava no coração. Não sei
quem era que dizia “basta”. Ai, quanto me custou esta luta! Nesta agonia
mortal, veio Jesus ao meu encontro. Chamou-me. Só O ouvi, não O vi, nem O
senti.
— Vem, minha filha, de encontro ao teu
Jesus. Tem coragem. Não duvides, olha que sou Eu. Fui Eu que te escolhi, fui Eu
que te preparei, fui Eu que assim te assemelhei a Mim. Escolhi-te para a mais
nobilíssima missão. Preparei-te para ela. Assemelhei-te a Mim em toda a minha
vida, na minha santa Paixão. Não te disse Eu: sofre, sofre, deixa que te
humilhem e caluniem?! Recorda o que de Mim disseram.
— Ó Jesus, eu não Vos vejo, eu não Vos
sinto, mas quero confiar que sois Vós.
— Colóquio de fé, colóquio de dor e de
amor, minha filha, foi o que te disse Jesus. Sim, sem o amor, sem a tua loucura
de amor não podias ser vítima de reparação, não podias assim sofrer e viver da
fé sem a sentires. Confia, confia.
Jesus foi jogar o seu “esconde-esconde”.
Desapareceu. Fiquei caída como morta. Não dei um passo, nem chamei por Ele.
Pouco depois uma força invisível me levantou e ouvi de novo a voz do meu
Senhor:
— Minha filha, vou dar-te o grande
privilégio, vou dar-te a prova da minha loucura de amor. Amo-te tanto, tanto,
amo-te com o maior amor com que Deus pode amar uma criatura Sua. Vais
receber-Me na Eucaristia. O teu anjo da guarda vai ser quem Me vai depositar na
tua língua para Eu baixar ao teu coração.
Era uma sala de que não lhe via o fim. Estava
toda armada em roxo escuro. Só via bater as asas brancas de alguns anjos que em
ala, silenciosos, se curvavam reverentes. Veio o meu anjo e deu-me Jesus. Era
uma Hóstia grande. Pronunciou as palavras do Viaticus corpus Jesu Christi
custodiat animam tuam in vitam aeternam. Ámen. Em seguida, falou-me assim:
— Vais agora, esposa e vítima do Rei
celeste, receber o Sangue do teu Esposo Jesus. Vai-te ser dado pelo Anjo de
Portugal.
Aproximou-se esse anjo de mim e do meu anjo da
guarda, que foi quem me disse estas palavras. O anjo vestia de branco e capa
azul. Trazia nas mãos uma pequenina taça e disse:
— Recebe, que é o Sangue de Jesus. Ele o
deitou para aqui do Seu Coração. Vai fazer que ele passe para o teu.
Bebi o bocadinho do Sangue. Os anjos
desapareceram. Ficou Jesus. Fez-me sentir o Seu amor e disse-me:
— Fortalece-te, minha filha, fortalece-te
para a dor. Não podes deixar de sofrer, porque o mundo não deixa de pecar.
Aceita, aceita. Não sentirás a ressurreição. A tua alma não terá Páscoa, para
que muitas almas ressuscitem e tenham a Páscoa da graça. Aceita. Coragem.
Fugiu-me para sempre o meu Jesus. Fiquei no
meu grande tormento a dizer-Lhe que aceitava, a dizer-Lhe o meu “creio”, sem
esquecer os meus pedidos.
— Sede comigo, Jesus. Sede sempre a minha
força.
(Sentimentos da alma: 16 de Abril de 1954 -
Sexta-feira)
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