– vista pela Beata Alexandrina –
Ao iniciar a
descrição da Santa Ceia, o evangelista S. Mateus escreveu: «ao cair da tarde, sentou-se à mesa com os Doze.» (Mt. 26,20)
A Alexandrina,
falando da mesma cena escreveu no seu Diário: “Ao cair da tarde, senti-me então reunida com os amigos.”
Mas, para que se
saiba, e porque a sua humildade prima sempre sobre todo o resto, ela afirma: “Eu era o amor e a ingratidão.”
Nesta descrição
que ela faz da Ceia do Senhor com os seus discípulos, devemos ter em conta que
falando na primeira pessoa, ela encarna Jesus. Todavia a expressão seguinte
parece bem dela: “Ó meu Deus, o que se
passou, que quadros tão diferentes.”
Diferente, sim, porque
tratando-se duma visão, ela vê um “presente” onde todos os “quadros” —
princípio e fim — se apresentam ao olhar da vidente. Daí a dificuldade, por
vezes, para explicar o verdadeiro sentido da mesma.
S. João, ao descrever no seu
Evangelho esta mesma cena — falando dele mesmo — diz que «um dos discípulos, aquele que Jesus amava, estava à mesa reclinado no
seu peito.» (Jo. 13,23)
É exactamente o que a
Alexandrina no seu Diário: “Eu era Jesus e contra o meu coração
sentia inclinar-se alguém e eu era esse alguém.”
Alexandrina “era tudo”, neste
momento extraordinário do “maior milagre”
de Jesus:
“Eu era a mesa, eu era o pão e o vinho; eu era o
cálice onde ele era deitado; eu era as taças onde se serviam os alimentos.”
Mas, ela também “era Judas”, aquele que iria pouco
depois trair o Mestre.
Mas, apesar
disso, e porque o amor é mais forte do que o ódio, ela “era a doçura e mansidão de Jesus”, contra a qual vinha ao encontro
“o desespero e traição de Judas.”
Mas aquela visão,
aquela solenidade invade o coração da Alexandrina e quase a obriga a exclamar:
“Que noite, que santa noite, a maior de todas as
noites, a noite do maior milagre, do maior amor de Jesus!“
E depois explica,
como sabe, como pode, o que vê:
“O Seu Divino Coração estava preso àqueles que Lhe
eram tão queridos. Para poder partir, tinha de ficar entre eles, para subir ao
céu, tinha de ficar na terra; assim o obrigava o Seu amor divino.”
Mas a força da
visão, o seu conteúdo claro, porque divino, não permite ao ser humano explicar
o inexplicável, por isso ela exclama, parecendo triste e talvez um tanto ou
quanto desapontada:
“Sinto necessidade de esclarecer todas estas
cenas, mas não posso, não sei.”
A Santa Ceia
continuou, como escreveu S. Mateus:
«Enquanto comiam, Jesus tomou o pão e, depois de
pronunciar a bênção, partiu-o e deu-o aos seus discípulos, dizendo: “Tomai,
comei: Isto é o meu corpo.”
Em seguida, tomou um cálice, deu graças e
entregou-lho, dizendo: “Bebei dele todos. Porque este é o meu sangue, sangue da
Aliança, que vai ser derramado por muitos, para perdão dos pecados.» (Mt. 26, 26-28)
Mas voltemos a
Judas, o traidor, que ainda estava presente neste momento. No Evangelho de S.
Mateus lemos:
«Enquanto comiam, disse: “Em verdade vos digo: Um
de vós me há-de entregar.”
Profundamente entristecidos, começaram a
perguntar-lhe, cada um por sua vez: “Porventura serei eu, Senhor?” Ele
respondeu: “O que mete comigo a mão no prato, esse me entregará. O Filho do
Homem segue o seu caminho, como está escrito acerca dele; mas ai daquele por
quem o Filho do Homem vai ser entregue. Seria melhor para esse homem não ter
nascido!” Judas, o traidor, tomou a palavra e perguntou: “Porventura serei eu,
Mestre?” “Tu o disseste”» — respondeu Jesus.» (Mt 26, 21-25)
Desta cena, entre
Jesus e Judas, a Alexandrina explica que “o
olhar esgazeado do mau discípulo ficou gravado em seu coração”, assim como
o que se seguiu: “todo aquele silêncio
profundo”, motivado pelo anúncio de Jesus e pela partida precipitada de
Judas, depois de ter “tomado o bocado de pão”. (Jo. 13,30)
Ela diz ainda que
“a amargura da sua alma não podia subir
mais alto. E, para afirmar mais esta amargura, vieram os sofrimentos da terra
causados pelos pecados. Juntei a dor ao sacrifício e quantas vezes em espírito,
com os olhos fitos no céu, ofereci ao trono divino o cálice da minha amargura.”
(S. 08-03-1945)
A Alexandrina
descreveu mais algumas vezes esta Ceia do Senhor e os seus textos são sempre
duma grande precisão evangélica e duma grande emoção, porque ela descreve o que
nesse preciso momento “vê”.
Afonso Rocha
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