CORAÇÃO E ALMA: ESCURIDÃO TOTAL
Continuo a sentir a perda de Jesus e da
Mãezinha. Eles morreram para mim. Triste, tremenda separação. Não tenho palavras,
a minha ignorância não deixa exprimir a dor desta separação. Perder a Deus,
perder a Mãezinha, é perder tudo, é perder tudo. O meu coração e a minha alma
estão numa angústia, estão como se estivessem sozinhos num universo de trevas,
num mundo de perda eterna. Nem na terra, nem no Céu há conforto para eles, ou
antes, nem existe a terra, nem existe o Céu.
Meu Deus, eu creio, creio, meu Deus. Assim o
vou repetindo muitas vezes, sem ter apoio, luz e conforto de ninguém. A minha
eternidade existe atrás de mim, em mim e à frente de mim. Tudo é eternidade
desesperadora, revoltosa, odiosa contra tudo, contra Deus. Ai, a eternidade,
ai, o que é a eternidade!... E a inutilidade que tudo me rouba?! A minha vida
de tantos espinhos, de tantos punhais, de tanta contradição e humilhação é toda
para ela.
Oh! Como me vejo de mãos vazias! Nenhum do meu
sofrimento, nenhum do meu martírio aparece à luz do dia. Mas ele existe dia?!
Há sol e estrelas no firmamento?! O que é isto, meu Deus, se sinto que não há
Céu nem terra! Mas existe a eternidade? Eu vivo a eternidade. Vivo-a por Vosso
amor e por amor às almas.
Não pode ser vista a profundeza do meu túmulo.
Em que abismo estou! Ficam na superfície apenas a parede do meu sepulcro, mas
eu desapareci, escondi-me. Fui cavando, cavando. Estou tão funda! Parece que
tenho mundos, mundos sobre mim. Despi-me por mim de todas as coisas, por mim me
enterrei, por mim mesma me fiz desaparecer. Os suores da alma não cessam com a
canseira da escavação. É como se cavasse incessantemente sem tirar do meu punho
o instrumento da escavação, mas a cavadela leva mais de um século. Por tudo
seja bendito o Senhor!
No primeiro sábado não tive a visita da
Mãezinha. Senti por Ela saudades de morte saudades de morte. Apesar da sagrada
Comunhão desse dia ser mais íntima, mais confortante, ai de mim, se Jesus não
velasse!
O meu horto não é aquele horto de outrora. A
minha vida humana lá em baixo sempre fugitiva sem pisar terra alguma dele. Lá
em cima, a grande altura, sempre a mesma pomba a deixar cair do seu biquito
muitas gotinhas que se espalham em orvalho, mas ela não se satisfaz só com
isso; vai levar aos corações essa gota e com o mesmo biquito retoca-os, faz
neles o ninho. Vai também às inteligências focá-las, enchê-las de luz. Como é
grande a vida e o trabalho dessa pomba!... Assim esvoaçou sobre o Horto e assim
hoje esvoaçou sobre o Calvário.
Eu tive o Santo Sacrifício da Missa; com a
minha fé abandonada à Mãezinha pedi-Lhe que me levasse e me fosse imolar com
Jesus e me desse todos os seus sentimentos. Senti em mim como que um desespero
na fugida do Calvário. A minha vida morta era a vida humana, mas aquela pomba
era e dava a vida do Céu. Sem sentir que Jesus morreu, senti que Ele chegou
junto de mim, sentou-se e como o bom Pastor chamou a si a Sua ovelhinha:
— Vem, minha filha, sou o teu Jesus.
Descansa aqui.
Sentei-me junto d’Ele; nos Seus joelhos
coloquei a minha cabeça, sobre a minha e o meu ombro deixou Ele cair o Seu
divino braço. A minha alma foi recebendo conforto.
(Sentimentos da alma: 8 de Janeiro de 1954 -
Sexta-feira)
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