Hoje de manhã, senti-me levada por alguém…
Ontem, logo ao cair da tarde, o Horto foi para mim um leito de espinhos; espinhos no corpo, espinhos no coração e na alma, espinhos em todo o meu espírito. Que tarde de amargura! Ao inclinar-se o dia, ao cair da noite, vi a terra Horto, o lugar que havia de ser regado com o meu sangue. Num impulso de amor, queria beijar e abraçar essa terra. Via os ânimos e cuidados com que se preparava a ceia; apesar de ser preparada como se fossem ordens minhas, eu não saía da minha tristeza e amargura. Via que ia ser a ceia do amor, das maravilhas, como outra jamais seria, mas não saía do meu sofrer. Fui ao Horto, o sangue regou a terra; vi muitos vermezinhos a beberem nele e nele viverem. Vi muitos outros que dele fugiam, sem lhe quererem tocar. A agonia aumentou, o sangue encheu o cálice, transbordou fora. Foi assim que o ofereci ao Pai. Neste momento, um orvalho fecundo, um orvalho de amor orvalhava a terra; ia ser para as almas, no decorrer dos tempos, orvalho de vida e de salvação. Novo sofrimento veio tirar-me o conforto desta visão. Fiquei, entre o Horto e o Calvário, esmagada como dentro de uma prensa, tinha que beber a amargura, até à última gota.
Hoje de manhã, senti-me levada por alguém, que me deu a mão, à varanda de Pilatos. A cabeça ia cheia de espinhos, o rosto coberto de sangue, todo o corpo ferido e despedaçado. Vi e ouvi a grande multidão que, a uma só voz, sem se condoer de mim, bradava a minha crucifixão. Vi a cruz, que, pouco depois, senti a meus ombros para seguir para o Calvário. O Coração divino de Jesus tinha para todos os algozes, que, no caminho da Via dolorosa O maltratavam, afectos de tanto amor; parecia que Jesus em troca de tão maus-tratos beijava, abraçava e levava ao colo todos aqueles que o feriam! Estes loucos de raiva; e Jesus, louco de amor. Que exemplo dá Jesus ao meu duro coração! Nesta loucura de amor fosse aproximando a montanha, que, sendo para mim, ou para Jesus que em mim subia, montanha de morte, ia ser para a humanidade montanha de vida. A dor aumentava em união com o amor. No alto da cruz, sentia no meu peito o de Jesus, que, de aflição, arquejava fortemente; unido ao meu, palpitava o Seu Divino Coração também; palpitava e batia fortemente, que fazia desfalecer o meu, de cansaço. Da Sua Chaga divina, aberta pelo amor, não ainda pela lança, saía um sol brilhante, um monte de raios doirados. Era a vingança de Jesus para o mundo. Quanto mais o corpo de Jesus desfalecia e gelava, mais a Sua Alma Santíssima desejava o momento de expirar. A Mãezinha estava, ao pé da cruz, com os Seus Santíssimos olhos lacrimosos, fitos em Jesus. Oh ! como Ela suspirava! Senti, como se Jesus se atirasse para os Seus Santíssimos braços, para receber os Seus carinhos. Bem depressa Ela o iria receber, mas já sem vida. Que agonia a de Jesus ao ver e saber quanto a Sua Mãe Santíssima sofria! Ouvi o Seu brado ao Céu, o Seu último suspiro; expirou. Pouco depois, veio e falou-me:
― Minha filha, Minha filha, quem com Jesus vive, com Jesus morre; quem com Ele morre com Ele ressuscita para a verdadeira vida; vem, vem a Mim, vem gozar do Meu divino amor, vem confortar-te, vem viver.
(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 4 de Julho de 1947 - Sexta-feira)
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