Eu quero-te pura, sem manchas
Ontem, logo que caiu a tarde, senti como se me tirassem um vestido mundial, que me tornou o escândalo de toda a gente, tal era a podridão, de que ele era feito. E assim vestida vergonhosamente, segui e cheguei ao Horto. Ali, desceu o Céu, a esmagar-me, e toda a humanidade a rasgarem-me e a arrancarem-me do corpo todos os nervos e veias. O que ali sofreu Jesus, dentro em meu pobre corpo, que tinha o Horto, o Calvário, a cruz e a morte! Ao receber o beijo de Judas vi, não o meu rosto, mas o de Jesus e o dele muito unidos, e fiquei a sentir, por muito tempo, que aquele beijo, ingratidão e traição se iam repetir, através de todos os tempos. Oh! Como transbordou o cálice da amargura, enchido de sangue inocente.
Na manhã de hoje caí desfalecida ao pé da coluna; recebi a chuva de açoites, que sobre mim foi descarregada, e vi Jesus, dentro em mim, no mesmo sofrimento, de olhos fitos no Céu, em sinal de oração a Seu Eterno Pai. Fui coroada de agudíssimos espinhos; tomei a cruz, segui o Calvário; saiu-me ao encontro a Mãezinha. Que dor senti com o seu pranto e dor! As lágrimas que no Seu rosto corriam, corriam-me no coração. Em todo o percurso do Calvário não perdi mais a união com Ela. Eu não arrastava só a cruz, arrastava-A também a Ela, ou melhor, arrastava a Sua dor. Mais adiante veio a Verónica com todo o sentimento de amor limpar o rosto de Jesus gravado no seu. Jesus deixou-Lho imprimido como recompensa, ela apertou-o ao coração como o maior tesouro e na verdade o era. Se eu soubesse amar a Jesus como a Verónica O amou! Se eu assim O abraçasse para não mais O deixar! Ó meu Deus, ó meu Jesus, pobre de mim que nada sou e nada sei! Cheguei ao Calvário; caído ao pé da cruz, antes de nela ser crucificada, nova descarga de pancadas feriu e despedaçou mais o resto das minhas carnes. No alto da cruz não senti outra coisa a não ser Jesus com os Seus olhares divinos a ver todo o mundo, toda a ingratidão e com a vista do corpo fitar o firmamento a orar e a desculpar-nos a Seu Eterno Pai. Agonizou, expirou e eu com Ele. Tão depressa morri que logo vivi; foi Jesus que me deu a vida, chamou-me e disse-me:
― Vem, Minha filha, ao Meu amor, ao Meu divino Coração é o dia dele; vem gozar do Céu, vem receber amor. Eu quero-te pura, sem manchas; quero-te digna de Mim. Esforça-te, corrige-te, de todos os teus defeitos. Dizia-te até agora que precisava das tuas faltas para Me esconder; agora digo-te: não as quero para mais Eu em ti aparecer. Quero que tudo o que é Meu em ti transpareça; quero que os teus olhares tenham a pureza dos Meus; quero que os teus lábios tenham o sorriso, a doçura dos Meus; quero que o teu coração tenha a ternura, a caridade e o amor do Meu; em suma: quero que em tudo Me imites, quero-te semelhante a Mim; quero que todo o teu corpo seja o Corpo de Jesus, um outro Cristo. És a nova redentora. Quero-te pura, pura com a Minha mesma pureza, quero-te digna de Mim, quero-te preparada para voares ao Céu. A dor e o Meu divino amor purifica-te; a dor e o Meu divino amor são de salvação para as almas. Vou ferir-te o coração; vai ser aberto pelo anjo S. Gabriel, para, depois, por essa abertura, por essa chaga trespassarem os raios do sol, os raios do Meu amor, para dele passarem ao mundo, passarem às almas. Antes disso, quero injectar-to de amor, quero preparar-to para receber o golpe. Em todo este tempo gozarás do Céu, gozarás do Paraíso; Jesus, no mesmo instante, não sei com quê, regou-me o coração com uma chuva miudinha doirada; aquela chuva causticou-me e parecia-me tê-lo separado do corpo.
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(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 13 de Junho de 1947 - Sexta-feira)
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