quarta-feira, maio 26, 2021

PRIMEIROS ANOS DA MINHA INFÂNCIA

Até aos três anos de idade não me recordo de nada


– Encontro em mim, desde a mais tenra idade, tantos, tantos defeitos, tantas, tantas maldades que, como as de hoje, me fazem tremer. Era meu desejo ver a minha vida, logo desde o princípio, cheia de encantos e de amor para com Nosso Senhor.

Até aos três anos de idade não me recordo de nada, a não ser de algum carinho que dos meus recebia. Com os meus três anos recebi o primeiro mimo de Nosso Senhor.

Como era desinquieta e, enquanto minha mãe descansava um pouco, tendo-me deitado junto dela, eu não quis dormir e, levantando-me, subi à parte de cima da cama para chegar a uma malga que continha gordura de aplicar no cabelo – conforme era uso da terra – e, por ter visto alguém fazê-lo, principiei também a aplicá-la nos meus cabelos. Minha mãe deu por isso, falou-me e eu assustei-me. Com o susto, deitei a malga ao chão, caí em cima dela e feri-me muito no rosto. Foi preciso recorrer imediatamente ao médico que, vendo o meu estado, recusou-se a tratar-me, julgando-se incapaz. Minha mãe levou-me a Viatodos, a um farmacêutico de grande fama, que me tratou, embora com muito custo, porque foi preciso coser a cara por três vezes e levou bastante tempo a cicatrizar a ferida. O sofrimento foi doloroso. Ah, se desta idade soubesse já aproveitar-me dele!... Mas não. Depois de um curativo, fiquei muito zangada com o farmacêutico; este ofereceu-me alguns biscoitos e vinho, que depois de amolecidos no vinho queria que os comesse. Eu tinha fome e, às vezes, até chegava a chorar porque não podia mexer os queixos. Não aceitei a oferta e ainda maltratei o farmacêutico. Ora aqui está a minha primeira maldade. (Alexandrina Maria da Costa: Autobiografia)


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