Não falo para ti, falo para o mundo
O Dr Azevedo e a família |
Passei a noite em grande sofrimento e em grandes ânsias. O meu corpo era um montão de cinzas, desfeito pela dor, e o coração sentia horrivelmente o cortar fino e contínuo de fios de espadas. Ao mesmo tempo queria desprender-se e voar para o alto, para Jesus, mas não podia; estava encarcerado em negra prisão. Senta-o cansado e desfalecido com tanto sofrer. Abraçada ao meu crucifixo e à Mãezinha querida, não cessava de pedir-lhes amor. As dores eram quase insuportáveis, mas as ânsias de amor iam mais longe, muito mais longe ainda. E nesta angústia não perdia a minha união com Deus; ia murmurando sempre: meu Jesus, lanço-me nos Vossos divinos braços, prendo-Vos para não mais Vos deixar nem desistir de Vos pedir amor; ainda que, por cada vez que vo-lo pedisse, me repelísseis e me batêsseis, não Vos deixaria, nem me calaria, mas sim com mais coragem ainda dobraria o meu brado: Jesus, sou a vossa vítima. Foram estes os meus entretimentos com Jesus, mas sempre mergulhada em trevas, angústias e sofrimentos. Veio a hora de O receber e eu de mãos vazias, despida de todo o bem, sem ter uma morada digna para O hospedar. Ele não recusou entrar. E logo os punhais deixaram de ferir o meu coração, e todos os sofrimentos desapareceram, mas em todo o tempo que estive com Jesus; depressa voltaram. Ele disse-me:
— Minha filha, onde está a cruz, a verdadeira cruz, a cruz real, está o amor; e onde está o amor está Cristo. Tu sofres, possues-Me, amas-Me, tens todo o amor de Jesus. Sofres e amas sem igual dor sem igual amor. Farei que a tua dor seja de salvação para o mundo e que esse amor com que Me amas se espalhe, se comunique às almas.
A tua dor, o teu amor, são as escadas para os pecadores e justos subirem ao Céu. Há-de o teu amor abrasar as almas, há-de a tua dor ser tão poderosa que, já tu no Céu, e ela continuará na terra, até ao fim do mundo, a ser poderosa e de salvação para os ingratos pecadores. Coragem, Minha filha! O que te espera no Céu!
— Ó meu Jesus, como estou humilhada, como me sinto pequenina! Faça-se tudo, segundo a Vossa vontade divina. Só Vós sabeis quanto me custa que faleis assim.
— Sossega, sossega esposa querida; o que Eu digo não é para te elogiar; não falo para ti, falo para o mundo. É a ele que eu quero mostrar o que é a minha vida divina nas almas e o que é uma vítima generosa fidelíssima. É ao mundo que quero mostrar os elogios de um Deus, dados a uma esposa, a uma alma louca por Si. Diz-Me o que quiseres, pede-Me o que quiseres, Minha filha querida.
— Meu Jesus, dais então ao meu Paizinho a luz que ele pede, a luz que ele necessita?
— Dou-lhe tudo, sempre lhe tenho dado. É o amante da minha cruz, é o possuidor de todo o Meu amor; dá-lho por Mim; repete-lhe, diz-lhe que Eu o amo, diz-lhe que é o mestre das almas e que eu farei que elas em grande multidão o sigam, à semelhança de Mim. Diz-lhe que Eu o assemelho à minha vida na terra.
Diz ao teu médico que o amo loucamente e que amo aos que lhe são caros. Diz-lhe que lhe repito: conto com ele, como vara forte e firme a amparar-te e à minha causa divina, que, depois de humilhada, será o triunfo de todos os tempos. Diz-lhe que recomendo a vigilância; o mal corre, o veneno penetra. É necessário um milagre até ao fim. Vem Mãe Bendita; não deixes sem conforto a nossa filha.
— Estou aqui, Meu filho, ansiosa por confortá-la.
Veio a Mãezinha, inclinou-me para Ela; acariciou-me e abraçou-me.
— Coragem, Minha filha! Em nome do meu bendito Filho, venho afirmar-te: estás na verdade, és-Lhe fiel, Ele está contentíssimo contigo. Deste-Lhe tudo, amas-Lo com todo o amor com que O podias amar. Em troca, filha querida, da tua vida de dor e de amor leva os Nossos amores àqueles que te amam e com tanto empenho te rodeiam; é o prémio do Céu, por ampararem uma esposa tão querida de Jesus, e acrescentou: Diz-lhes em meu nome que lhes prometo o Céu e mais ainda àqueles que do fundo da alma e do coração com eles falarem no meu nome e nas minhas coisas. Farei que os que te rodeiam e te são queridos comuniquem aos outros o que de ti receberam; que é a comunicação dos tesouros do Céu. Vai, Minha filha querida; tem coragem; não deixes de correr, mas também não deixarás de amar. Vai em paz, vai com O teu Jesus, leva o teu Jesus. Para que as minhas palavras se cumpram, tenho que abreviar os meus colóquios, mesmo eles têm de ser para ti dolorosos. Coragem, coragem, nova redentora, salvadora do mundo!
— Obrigada, meu Jesus; obrigada, Mãezinha acompanhai-me, não me deixeis por um só momento. Já me parece mentira estar Convosco, e com Convosco falar. O que eu vejo à minha frente! Valei-me, valei-me; sou a Vossa vítima.
(Beata Alexandrina Maria da Costa: Sentimentos da alma, 1 de Fevereiro de 1947. - (Primeiro sábado)
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