Fiquei como caída na valeta da estrada
Logo a seguir, pela noite fora, andava o demónio, à volta de mim, a querer-me assaltar. Várias vezes me convidou ao mal e me ensinou as suas feiíssimas palavras.
Veio a madrugada, travou-se então o combate. Em forma de animal, assaltou-me; tive que combater. Não deixei de bradar ao Céu em tão tremenda luta; porém este parecia-me fechado e surdo.
Satisfeitos os gostos do maldito, deixou-me; mas, ó meu Deus, como me deixou ele! Deixou-me despercebida, não o vi fugir; levou consigo a inocência, deixou comigo a maldade. A culpa era só minha. Fiquei como caída na valeta da estrada, não podia levantar-me nem tão pouco levantar os olhos ao Céu para os fitar em Jesus. Que indizível vergonha! Não sei por quem fui levantada, mas sentia a minha alma chorar com profunda dor. Tem ferido o meu Jesus? Com a vinda d’Ele ao meu coração esqueci mais as maldades do demónio; pude unir-me mais a Jesus e desabafar com Ele. Os meus espinhos do Horto deram princípio às ruas estreitas e tristes do Calvário. Segui por entre eles abismada na noite mais negra; neles perdi a carne e o sangue. Subi ao cimo da montanha e a mesma noite se espalhou nela. No alto da cruz que era eu e nela estava pregada. Sentia o levantar do peito de Jesus, o seu ofegar, palpitar do coração. Sentia o brado triste, o eco agonizante dos Seus gemidos; sentia o Seu sangue divino que caía ao pé da cruz. Sentia uma dor de alma que a obrigava a chorar e a dar a vida despedaçada de dor. Eu não podia aguentar aquela dor que era de Jesus. O que Ele sofreu! Ai a dor do Calvário, a dor, a visão da maldade humana. Eu não resisti; por alguns momentos pareceu-me mesmo a minha morte ser real. Não quero pensar, porque não posso recordar o sofrimento do meu Jesus. Ele veio; fez-me viver.
— Minha filha, levanta-te, tem coragem, vem seguir os caminhos dolorosos do Teu Esposo Jesus. Repara, olha a montanha, estás quase no fim, pouco tens que subir, pouco tens que caminhar. Olha a cruz, olha o seu brilho, vê tantos raios luminosos; são raios saídos de todas as suas chagas; são raios saídos de todos os espinhos que a tua cabeça cinge. Saem de ti, saem de mim que em ti estou, de ti Me revesti: são raios poderosos, raios atraentes, raios de salvação. Olha como correm aos bandos para eles as ovelhinhas; são as almas, vêm de ti para mim. Coragem! Olha o valor da tua dor, do teu calvário.
Vi a montanha, vi a cruz; parecia estar de sol iluminada. Eu já tinha quase subido tudo, estava perto dela; mas era aquela a minha cruz e via-me como se nela estivesse cravada. Dos pés, das mãos, do coração, da cabeça saíam fortes raios de luz; vinham penetrar na terra. Fez-me lembrar o arco-íris que vai absorver a água ao rio e ao mar. Para todos aqueles raios que rodeavam a cruz, vinham de todos os lados, grandes rebanhos de ovelhinhas; não lhes via o fim. Oh! Como era belo vê-las atraídas para aqueles raios sem que ninguém as guiasse, sem levarem pastor.
— Meu Jesus, oh! Como é belo e atraente o amor do Vosso divino coração. Oh! Como são poderosas as Vossas chagas, todos os Vossos sofrimentos. Quero sofrer convosco, convosco quero estar sempre na cruz para nem um só momento cessem as almas de virem a Vós; de virem ao sol resplendoroso do Vosso divino amor. Sede a minha força, vede como sou fraca, meu Jesus.
— Minha filha, Minha amada, quem com Jesus está com Jesus vence. Tem coragem! Da cruz passas ao Céu, ao Céu que te espera: E pela cruz fazes subir as almas aos milhões, aos milhões para a sua pátria. Sofre sempre, por meu divino amor, e nada temas; sofre alegre, se não Me queres ver ferido. Enquanto que viveres na terra, não mais deixarás de sentir em teu coração essas espadas, esses punhais. És a minha vítima, é ferido o teu coração para não ser ferido o Meu.
Sabes, filha querida, porque é que quanto mais eles te ferem e te cortam estas espadas e atravessam o coração, mais as sentes e vês crescer? É o aumento, é a repetição dos novos crimes. Reparas uns, mas a maldade desses infelizes inventa outros; vem logo com novos golpes. Se soubesses quem Me fere e como Me ferem! Quero explicar-te, quero desabafar as minhas mágoas.
— Meu Jesus tirai de mim, se é possível, a reparação precisa; eu aceito, eu quero sofrer por quem quer que seja, amigos ou inimigos meus não me importa; são filhos do Vosso sangue divino, eu a todos quero salvar. Sou a Vossa vítima, vítima a sério, só para não Vos ver ferido. Eu sei que sofreis, Jesus, e eu quero reparar sem saber por quem.
— Ó Minha louquinha, Minha louquinha de amor, que grande e encantadora lição tu dás ao mundo; que grande prova de heroísmo, que apreciável valor dás às almas! Vai, vai contente. Para conseguires a realização dos teus desejos, não mais terás alegrias sensíveis na terra; apenas o necessário conforto para venceres e resistires à dor… Vai, alma pura, não te deixes abater demasiado com os teus defeitos; Eu os permito para mais em ti brilhar aquilo que é Meu. Vai espalhar o amor, vai acudir às almas, vai dar a luz ao mundo. Eu farei que nele brilhes com o Meu brilho que a ele encantes com os Meus encantos. Coragem, coragem! Eu vou e estou sempre contigo.
— Obrigada, obrigada, meu Jesus. Ajudai-me a vencer este medo pavoroso, que já vejo à minha frente. Quero a cruz, quero as almas, mas temo as minhas fragilidades. Não me abandoneis meu Jesus.
—
(Beata Alexandrina Maria da Costa: Sentimentos da alma, 31 de Janeiro de 1947.)
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