Que abismo sem fundo!
— Meu Deus, como pode aumentar isto? De onde
vêm elas?
É por entre esta escuridão medonha, aterradora,
que eu caminho, de cruz sobre os ombros, mãos atadas e o corpo todo chagado.
Ouço o sangue que rega a terra, saído das minhas veias. Ouço o estalar dos
ossos ao ser arrastada pelas cordas. Dores sufocantes tiram-me a vida. Não há
quem se compadeça do meu penar. E eu perdi Jesus, ou sinto que O perdi. Como
poderei viver sem Ele? O que será de mim? Veio o demónio com um ataque
violentíssimo. De manhãzinha cedo, principiei a sentir que o meu corpo não
estava completo, como se uma podridão tivesse desfeito parte dele. Causou-me e
causa ainda grande dor e impressão. Mal eu pensava que eram manhas do demónio!
Foi o meio de que ele se serviu para horas depois me afligir. Aumentou a sua
malícia e artes, como senhor e habitador de mim. Principiou a dizer-me:
— Olha como tu estás! A maldade dos teus
crimes apodreceu o teu corpo.
Uma chuva de nomes e coisas feias caiu sobre mim.
— Jesus, Mãezinha, não quero pecar, sou a
Vossa vítima.
Que medo, que horror! Parecia-me pecar e querer
pecar. Sentia pena por não satisfazer mais os meus desejos desordenados.
Tremendo horror! Levantava os meus olhos para a Mãezinha e para Jesus. Um abismo
aterrador se colocou à frente dos meus olhares. Que escuridão assustadora! Que
abismo sem fundo! E eu cega de maldades e desejos pecaminosos. Fiquei louca,
preocupada com este viver. Veio Jesus, o remédio da minha alma.
— Minha filha, és cândida, és pura, pureza
virginal, candura celeste. Repara! Vê aqueles traços doirados, aquelas flores
luzentes que passam naquele abismo. É a tua pureza, é a tua reparação;
reparação que me consola, pureza que pouco a pouco vai purificando as almas que
nele estão. É pureza que passa no lodo e na lama sem se manchar e à sua
passagem deixa seu brilho para iluminar e arrancar das trevas as almas que nele
estão, trevas do pecado, trevas infernais. Não são trevas de amor, trevas de
reparação, trevas enviadas por mim. Coragem, minha pura, minha bela. Não
pecaste. (Alexandrina Maria da Costa: 11 de Maio de 1945).
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