O demónio tem-me atormentado tanto, tanto!
— Tirai, Jesus, tira, meu Amor, para Vós a
consolação e a alegria, deixai para mim o que é dor e trevas. A vontade quer
aceitar por amor; a pobre natureza fraqueja, porque mais não pode. Tende dó de
mim, Jesus.
O demónio tem-me atormentado tanto, tanto! Tudo
aproveita para me martirizar. Eu que tudo faço por malícia, que tudo faço para
enganar; enche-me de dúvidas. Veio com um ataque tão atormentador! Eu não tinha
no meu corpo o mais pequenino bocadinho que não servisse de instrumento para
ofender a Jesus. Parecia-me que o maldito se utilizava de todo o meu ser para
pecar comigo, para ferir o meu Jesus.
— Ó meu Deus, que mar de crimes! Ofender-Vos
com todos os meus sentidos!
Lutei por muito tempo, no meio de insultos, e ele
parecia-me ser o senhor do meu coração. Figurava-se-me que o via dentro dele. E
ele dizia-me:
— Expulsa-me do teu coração. Não és capaz,
sou senhor dele.
Depois de muito lutar e lutar às portas da morte,
fiquei caída, fora das minhas almofadas. Sem poder mexer-me, invoquei muitas
vezes o nome de Jesus, chamei por Ele, pedi-Lhe para me acudir, mas oh! com que
vergonha e tristeza! Ouvi Ele dizer-me assim:
— Com um sopro, saído dos meus lábios
divinos, vais docemente para as tuas almofadas, minha filhinha.
E vi-O então a Ele senhor do meu coração. Era
Jesus Menino, já crescidinho. A cruz era maior que Ele.
— Sou eu o rei, sou eu o senhor. És minha e
tudo o que é teu a mim pertence. Não pecaste, minha filha. O teu corpo não é
como o demónio te faz sentir, um instrumento de pecado; todo ele é um
instrumento de reparação para mim. Repara, repara, aceita, abraça a tua cruz. O
teu corpo é de pureza, o teu coração é de amor.
— Confio, meu Jesus, não me falteis e não
consintais que eu mova os meus lábios e nada faça que Vos desgoste.
No meio das minhas amarguras, no abismo das minhas
trevas, quando já não posso mais e me parece não haver remédio para os meus
males, sinto por vezes Jesus no meu coração a estreitar-me com todo o amor e a
repetir-me uma e muitas vezes:
— Coragem! Eu estou contigo, não te falta o
conforto do teu Jesus. És minha, eu amo-te, nada temas. Sofre contente, sofre
por amor, não deixes as almas perderem-se.
Tudo isto faz-me reviver, mas por bem pouco tempo.
Só as ânsias de me dar às almas, de salvar o mundo não cessam, consomem-me o
coração. Que desejos tão vivos de incendiar no mundo o fogo divino, o fogo que,
sem ser meu, sinto-o, consome-me, devora-me!
— Ó mundo, hei-de vencer-te, hás-de
salvar-te. Ó rochedo, hei-de reduzir-te a chamas, hás-de amar a Jesus, hás-de
ser puro, hás-de viver para Ele.
O demónio continua a rodear as janelas que cercam
o edifício do meu corpo. Redobra sempre a sua malícia, tenta entrar por uma e por
outra. Enraivecido, uiva e desespera-se, por nada poder conseguir. Não posso
lembrar-me que hoje é o dia a Ascensão de Jesus ao céu. Parece-me que Jesus
subiu, deu a Sua entrada no céu sem ser louvado e festejado. As trevas cegaram
os anjos e todos os habitantes do céu. O meu coração apavorado chora lágrimas
de dor e de sangue. Sente as cordas que amanhã lhe vão atar o seu corpo. Sente
nele as bofetadas e os escarros que ao rosto lhe hão-de ir cair. Pobre coração,
que não sabe amar, que não sabe compadecer-se de Jesus, que está nele caído com
a cruz às costas e atado com grossas cordas. Visão dolorosa a da minha alma! Em
que estado ela vê Jesus. Anteciparam-se os sofrimentos; já hoje sinto tudo.
Durante a Ceia vi e senti o abraço de Jesus a seus discípulos. Que abraço tão
terno e eterno! Entre eles houve um que recusou, não quis aceitar. Mas a
ternura e o amor de Jesus continuaram ainda sobre ele. Como Nosso Senhor sofreu
ao ser desprezado o Seu convite, o Seu amor, o Seu chamamento! Se Jesus, a
Mãezinha ou os anjos falassem em meus lábios para gravarem bem nestas linhas o
amor divino e a ingratidão do mundo a esse amor! Que sede eu tenho de dar almas
a Jesus, de salvar o mundo e de matar o pecado para sempre, para sempre! Não
sei dizer o que quero e não vejo nada para fazer, estou ceguinha. (Alexandrina
Maria da Costa: 10 de Maio de 1945).
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