Sorriam-se os meus lábios
Está próxima, Jesus, a minha crucifixão. Vêde-me na cruz
cravada convosco, de olhos levantados para o Céu, que já não vejo, a bradar
sempre: Jesus, Jesus, porque me abandonaste? Estou sozinha, faltam-me todos os
auxílios do Céu e da terra. Aceito para consolar-vos, tudo aceito, tudo sofro
para que se fechem as portas do inferno.
Meu bom Jesus, velais sempre sobre mim, estais sempre a
fortificar-me com a vossa graça e força divinas. Animastes-me dizendo :
— Minha filha, minha loucura, é na tua crucifixão que
está toda a salvação das almas. É no teu duro penar que está a minha consolação
e na tua completa imolação que está a minha glória, é no teu calvário que está
a minha completa alegria. Coragem, coragem! Não te falta Jesus com a Mãezinha e
o teu Paizinho. Tens em ti a graça divina.
Caminhei para o Horto. Não se podem comparar as agonias e
tristezas humanas com as Vossas. Quanto sofrestes por meu amor. Terei eu
coragem de negar-vos alguma coisa? Oh! não, meu Jesus, não. Dai-me força para
que eu não use de tal ingratidão. As trevas do Horto eram aterradoras. Todos os
sofrimentos eram pavorosos. Os pecados do mundo eram a prensa mais dura que
apertava o meu coração e o Vosso. Era o pecado, só o pecado a causa de todos os
sofrimentos; era o pecado que eu sentia a rasgar-me as veias; era o pecado que
afastava de mim o Céu, deixando-me no maior abandono, obrigando-me a suar
sangue. Foi o pecado, só o pecado o algoz de toda a Vossa Paixão. Quanto Vos
devo, meu bom Jesus, por sofrerdes em mim e me associardes a Vós. Já não podia
resistir mais e segredou-me a Vossa voz divina:
— Tens, minha filha, sempre à tua frente o amor do
teu Jesus.
― Ó meu Amor, sinto desaparecer dia à dia, momento a
momento, as forças do meu corpo e da minha alma! Só com Vós crucificado em mim
poderei vencer. Eu já não vivo, porque tudo em mim é morte. Fui flagelada, fui
coroada de espinhos, descansei no voso divino Coração; apertava-o com amor ao meu: prender-vos para
sempre, não me separar mais de Vós eram os meus desejos. Tive uns momentozinhos
que deixastes cair sobre mim a vossa divina Graça e uns raiozinhos do vosso
Amor aqueceram o meu coração. Quando descansei na Mãezinha Ela unia aos meus os
seus lábios santíssimos demorando-se assim todo o tempo do meu descanso. Isto
não são consolações, meu Jesus, bem sabeis que tudo isso desapareceu para mim,
são os auxílios que me dais, sem os quais era impossível a minha crucifixão.
Fui para o calvário, a cada passo sentia-me cair por terra, a perder a vida.
Estava pregada na cruz; das chagas escorria o sangue como dumas fontes. Os insultos
que ouvia golpeavam-me todo o corpo. A dor do coração fazia-o ansiar com tanta
força que parecia levantar-me o peito a pontos de o abrir. Chamar por vós,
bradar ao Céu, tudo era inútil. Só trevas e abandono, só agonia mortal.
― Ó meu
Jesus, passou a crucifixão, a noite já vai alta e no alto do calvário estou eu
de braços abertos, na cruz pregada, na noite mais triste e tenebrosa a bradar
sempre: Ó Céu, ó Céu, ó Céu que me abandonaste. Ó terra que me desprezaste e me
odeias. O meu brado perde-se num mundo de abandono, o meu eco perde-se num
mundo que não tem fim. Estou só, Jesus, a tiritar de frio e de fome. Estou
cega, perdi a luz. Já não existirá no mundo, meu Amor? Todo ele é trevas, todo
ele é cegueira. Juntai, meu Jesus, a este duro penar, a dor que me causa ao ser
notada a falta do meu Paizinho aqui. Jesus, Jesus, permiti tudo, menos o
escândalo; eu não quero que sejais ofendido, mas muito menos ainda naquilo que
me diz respeito. Perdoai a todos, perdoai a mim e dai-me a vossa bênção, Jesus.
(Sentimentos da alma: 27 de Fevereiro de 1942)
Sem comentários:
Enviar um comentário